quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Quindins na Portaria para ... Sakineh Mohammadi Ashtiani




"QUINDINS NA PORTARIA"

Estava lendo o novo livro do Paulo Hecker Filho, Fidelidades, onde,
numa de suas
prosas poéticas, ele conta que, antigamente, deixava bilhetes, livros
e quindins
na portaria do prédio de Mário Quintana: "Para estar ao lado sem pesar com a
presença".
Há outras histórias e poemas interessantes no livro, mas me detive nesta frase
porque não pesar os outros com nossa presença é um raro estalo de
sensibilidade.
Para a maioria das pessoas, isso que chamo de um raro estalo de sensibilidade
tem outro nome: frescura.
Afinal, todo mundo gosta de carinho, todo mundo quer ser visitado,
ninguém pesa
com sua presença num mundo já tão individualista e solitário.
Ah, pesa. Até mesmo uma relação íntima exige certos cuidados.
Eu bato na porta antes de entrar no quarto das minhas filhas e na de
meu próprio
quarto, se sei que está ocupado.
Eu pergunto para minha mãe se ela está livre antes de prosseguir com uma
conversa por telefone.
Eu não faço visitas inesperadas a ninguém, a não ser em caso de urgência, mas
até minhas urgências tive a sorte de que fossem delicadas.
Pessoas não ficam sentadas em seus sofás aguardando a chegada do
Messias, o que
dirá a do vizinho.
Pessoas estão jantando.
Pessoas estão preocupadas.
Pessoas estão com o seu blusão preferido, aquele meio sujo e rasgado, que elas
só usam quando ninguém está vendo.
Pessoas estão chorando.
Pessoas estão assistindo a seu programa de tevê favorito.
Pessoas estão se amando.
Avise que está a caminho. Frescura, jura? Então tá, frescura, que seja.
Adoro e-mails justamente porque são sempre bem-vindos, e posso retribuí-los
sabendo que nada interromperei do lado de lá.
Sem falar que encurtam o caminho para a intimidade.
Dizemos pelo computador coisas que face a face seriam mais trabalhosas.
Por não ser ao vivo, perde o caráter afetivo? Nem se discute que o encontro é
sagrado. Mas é possível estar ao lado de quem a gente gosta por outros meios.
Quando leio um livro indicado por uma amiga, fico mais próxima dela.
Quando mando flores, vou junto com o cartão.
Já visitei um pequeno lugarejo só para sentir o impacto que uma pessoa querida
havia sentido, anos antes. Também é estar junto.
Sendo assim, bilhetes, e-mails, livros e quindins na portaria não é
distância: é só um outro tipo de abraço.




5 comentários:

  1. Ô Beth, que lindo esse texto. Todos num abraço, contra a violência institucionalizada.
    Bjsssssss

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  2. Puxa, já gostava muito do seu blog, mas agora fiquei lhe admirando ainda mais! Quanta sensibilidade, é raro as pessoas terem tal delicadeza para com os outros hoje em dia!
    Parabéns!
    Adri

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  3. Oi Xará,
    Adorei o texto, e se isto é frescura, sou a maior fresca! Pois sempre ligo para ver se a pessoa pode me receber e no telefone pergunto se a pessoa não está muito ocupada para conversar.
    Adorei o seu blog e estou seguindo vc. Ficarei muito feliz se vc me visitar e tb me seguir.
    Bjkas e um ótimo final de semana para vc.

    http://gostodistonew.blogspot.com/

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  4. Oi Beth,
    Obrigada por ter retribuído a visitinha. Adorei.
    Bjs

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  5. Toda vez que venho aqui me sinto mais leve
    vc é aquele tipo de pessoa cativante,
    pessoas dificil d achar no mundo de hoje.
    Adoro seus textos
    bjs Bebeth

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